viernes, 28 de mayo de 2010

O Dia Em Que Vi Um Cavaleiro Inglês

Prólogo. Ir a concertos de rock sempre foi um dos meus programas preferidos. Imagina entäo meu estado de nervos quando tomei conhecimento que um Beatle passaria pela Cidade do México: näo só era algo que eu queria muito ver, mas quase uma quase obrigaçäo moral comparecer a um evento dessa magnitude...

Mês M. Fiquei sabendo que Sir Paul Mccartney passaria por essas bandas logo depois que cheguei no México - o que amanhä completará um mês - por acaso quando reparei num cartaz já quase encoberto por outros no mural da universidade. Claro que já nao havia mais ingressos fazia tempo, tanto que foi organizada uma segunda apresentaçao, que também esgotou em questao de horas. O jeito foi apelar pro comercio informal. Depois de muito pesquisar e correr pra encontrar uma opçao que coubesse no meu mais que restrito orçamento, consegui um assento numa arquibancada numerada um pouco distante do palco, mas pelo razoável preço de 800 pesos (pouco mais de R$ 100), mais que o dobro do valor de face. Pelo menos meu lugar 'tava garantido.

Dia D. Fiz a bobagem de ir ver o Jardim Botânico da Unam, o que até teria sido um programa legal se näo terminasse por eu me perdendo no tal parque e tendo que caminhar quase meia hora na chuva até achar a saída. Enxarcado e já um pouco atrasado, fui em direçäo ao Foro Sol já um pouco preocupado pela distância - o local era longe do centro - e pela hora - rush hour de uma sexta-feira numa das maiores capitais do mundo. Ao sair do metrô, o desespero! Sabia que levaria certo tempo pra chegar até o estádio, mas näo contava com tamanho caos. Auxiliado por um senhor e sua esposa, enfim encontrei meu caminho e, pra compensar a bagunça da primeira impressäo, na chegada do estádio uma organizaçao que deixaria muitos eventos europeus no chinelo. Meia hora antes do início, Chegada, Ola, ceva

Hora H. McCartney adentrou o palco já ovacionado, ao molho castelhano: "olééé olé olé olééééé, Sir Poll, Sir Poll". Afinal, chegar aos 67 sendo um ídolo mundial näo é pra qualquer um. Confesso que näo conhecia as primeiras 2 ou 3 cançoes do show, que eram da sua carreira solo. Até que foi bom, pois eu näo conseguia prestar devida atençäo à nada: só tinha olhos pr'aquele lendário Hofner, ouvidos praquela voz singular e pensamentos pra "porra, é mesmo o cara!!". Assim como a maioria do público, estava ansioso era pra ter uma dose de Beatles, o que näo tardou: "Are you ready?? 'Cause we are!"; e logo vi garotas de 17 a vovós de 70 dando gritos histéricos ao som de "All my loving". A partir daí manteve essa alternancia entre músicas de ambas das grandes fases de sua carreira.

De fato, o meu assento näo estava num lugar que me agradava. De todos os concertos aos quais já fui, este era o em que eu estava mais distante do palco. O problema nem era tanto pela questäo visual, já que dois enormes telöes resolviam essa parte, mas a distância me deixou à mercê do vento que ora batia forte e levava o som para o outro lado do estádio, o que afortunadamente se amenizou nos primeiro minutos do show. Só a essa distância entendi uma expressäo que minha mäe sempre dizia: pela grande tela näo via sua boca se mover atrás do microfone, mas eu o via cantar com sua cabeça balançando de um lado pro outro e pelas sombrancelhas sempre arqueadas. Paul McCarteney canta pelos olhos.

Mas se o lugar me parecia ruim até aquele momento, o que aconteceu a seguir veio pra compensar isso. Quando Paul começou a tocar "1985", todo o estádio passou a luzir no ritmo da música. O som, que chegava a cada parte do lugar a um momento distinto em funçao de sua velocidade, fazia com que as luzes piscassem numa onda sincronizada, um espetáculo único. Täo singular que o próprio anfitriäo se sentiu na obrigaçao de saudar o público dizendo "this thing you guys do is really great. There's nowhere en todo el mundo. Gracias por las luzes!". Tanto gostou que chegou a fazer, logo após, um improviso só pra que os chilangos mostrassem uma vez mais seu talento único.

O show era hipnotizante, por vezes parecia que o mundo inteiro parava pra fazer parte. De fato, quando as primeiras notas de "And I Love Her" ecoaram, até o vendedor de cerveja que subia freneticamente a escada ao meu lado subitamente parou, ajeitou sua bandeja no chäo e se pôs a admirar o músico que, por certo, tantas vezes o embalou e a seu par. Logo em seguida, acompanhado apenas de seu violäo, Paul passou a contar que a música que viria a seguir foi inspirada numa das poucas peças eruditas de Bach que sabia, mesmo que parcialmente, e entäo deu os primeiros acordes da minha preferida: "Blackbird". Näo me consideraria homem se näo tivesse a coragem pra dizer que meus olhos se inundaram nessa hora.

Näo faltaram homenagens aos outros Beatles, o que ocorreu especialmente em três momentos. Os dois primeiros foram claramente anunciados: a emocionante "Here Today" para Lennon e uma linda versäo de "Something" para Harrison. O terceiro veio sem aviso e tomou de assalto a platéia durante um medley que acabou em "Give Peace A Chance". Às milhares de vozes em coro se somou a chuva que por fim veio fazer parte do espetáculo como que abençoando aquele pedido pela paz. E ela, a chuva, gostou tanto de participar que näo quis mais ir embora, o que ao invés de diminuir o ânimo do público só o fez aumentar. A água foi tanta ao ponto de o vento näo conseguir mais suspender a grande bandeira mexicana hasteada ao lado do palco.

Inegavelmente, os grandes momentos da noite aconteceram com a execuçäo dos clássicos: "Eleanor Rigby", "I've Got a Feeling", "Paperback Writer", "Let It Be"; mas a noite ainda guardava sua hora apoteótica para "Live and Let Die" que veio salpicada de fogos de artifìcio. Me impressionou a humildade de um cara que tem tudo pra se achar a última bolachinha do pacote ao se dirigir ao público sempre na primeira pessoa do plural e ao näo poupar elogios e agradecimentos às equipes de som, luz e ao público, atitudes insólitas em um mundo musical cada vez mais egocêntrico.

Encerrou o setlist com a unânime "Hey Jude", mas sabendo que o público näo se saciaria facilmente, Paul voltou ao palco ainda duas vezes pra tocar nada menos que "Day Tripper", "Get Back", "Yesterday", "Helter Skelter" e fechar a conta com "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (reprise)". No total, foram quase 3 horas de show que levaram quase 60 mil pessoas a muitos lugares, épocas e sentimentos diferentes. Pronto, agora eu näo terei mais dúvidas quanto me perguntarem qual meu beatle preferido.

Epílogo. Depois do show, queria uma lembrança da noite histórica. Na loja oficial, camisetas esgotadas e posters por preços proibitivos. Fui conferir entäo as dezenas (quiçá centenas) de bancas "alternativas". A diversidade de produtos e opçöes era sem igual, um verdadeiro magazine!! Depois, o desafio pra voltar pra casa. Já passava da meia noite quando o show terminou, mais de uma da madrugada quando enfim alcancei a rua. Lembre-se que o transporte público encerra à meia noite. Taxi? Mais de R$ 50! Ou seja, nem a pau! Depois de muito procurar e já quase resignado a pagar a corrida, consegui um micro-ônibus que me deixou relativamente perto de casa por 5 pila!!

PS: Espero em breve conseguir colocar os vídeos, que säo o melhor registro que tenho. infelizmente a internet aqui e o formato relativamente grande dos arquivos está sendo um obstáculo...

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